Cilada: a fábrica de doces e o desenvolvedor infantil

Texto escrito em 2013

Venho observando uma forte tendência da infantilização do desenvolvedor. Vejo isto em eventos, ofertas de emprego, propagandas, matérias nítidamente pagas em revistas e jornais. Talvez seja mera impressão de um sujeito que está envelhecendo (torço para que seja), mas quanto mais converso com meus amigos e contatos mais esta impressão se materializa diante de mim (e você). Yeap: mais uma armadilha para desenvolvedores.

O que é um bom ambiente de trabalho?

Se você acompanha meu blog sabe que um dos meus assuntos favoritos são as condições de trabalho. Óbviamente sou a favor do melhor ambiente possível tanto como funcionário como empregador (sou os dois), mas como diz aquele ditado, quando a esmola é muita, o pobre desconfia. Então me escutem: desconfiem, e muito!

Pense comigo: o que é melhor? Um ambiente de trabalho que surge naturalmente ou artificialmente? Aliás, indo além, o que é um bom ambiente de trabalho? Após alguns anos cheguei a uma definição que acredito ser bastante justa.

O bom ambiente de trabalho é aquele no qual o trabalhador extrai satisfação para si ao executar sua função.

Com base nesta definição óbviamente que o salário é importante mas não o fundamental. Digo por experiência própria: alguns dos trabalhos mais fascinantes da minha vida eu sequer recebia bem e em alguns casos literalmente paguei só pelo tesão da missão (juro). Claro que ganhar bem ajuda bastante, mas acho que você entendeu aonde quero chegar.

Então quando vejo estas propostas de trabalho nas quais a pessoa do RH repete enfáticamente que é oferecido o melhor ambiente imaginável não consigo parar de lembrar daquela cena do filme "Família Adams" (nem lembro mais qual) em que Vandinha é forçada a sorrir. Soa tão assustador!

Mas sabe: me perturba hoje que tenho 34 anos e alguma experiência: se tivesse 10 ou 15 anos a menos acredito que acharia sedutor como aquelas lâmpadas que usamos para matar mosquitos: brilhantes, aconchegantes, convidativas e fatais.

Dica: felicidade surge naturalmente. Quando vêm de forma artificial mostra que há algo muito errado por trás disto. Se você é de fato feliz e vive em um ambiente agradável isto é natural pra você: não precisa alardear por aí.

Aqueles benefícios divertidos!

"Temos máquina de café expresso, videogame, sofás confortáveis, quadra de tênis e você pode trazer o seu cachorro para trabalhar com você". Na maior parte das propostas que vejo deste tipo perguntas básicas como "qual o plano de carreira?", "o salário é competitivo?", "horas extras são comuns?" sequer são mencionadas. E sabem o que é mais legal? É que sempre tem uma aparência incrívelmente jovial: por que será hein?

(certa vez em uma entrevista o dono da empresa me disse que eles eram modernos por usarem o software "cranks" de comunicação interna. Na época achei massa, mas anos depois me pergunto: E DAÍ???)

Sabem o que penso? Que se não me respondem a estas perguntas que fiz acima de forma satisfatória os tais benefícios (que se você for contar na ponta do lápis, são bem baratos pra empresa) nada mais são que distrações para que a mão de obra seja o mais barata possível. Talvez por isto o foco na infantilização do profissional: afinal de contas crianças são mais fáceis de serem  manipuladas, não é mesmo? E como você pode reclamar de um lugar que te oferece tanta diversão e prazer ao mesmo tempo? Humpf, seu ingrato(a)!

A imagem do Google ou da Microsoft sempre são mencionadas, mas curiosamente não dizem que estas empresas oferecem este tipo de "benefício" ao funcionário porque tem capital para tal e anos de cultura empresarial que garantem o equilíbrio. Ainda pior: "esquecem" de te contar que, dado seu horário de trabalho, a não ser que você não trabalhe, é claro, a maior parte do seu dia não será gasta com estes brinquedos.

Dica: troque os brinquedos por coisas mais sólidas como por exemplo a perspectiva de crescer (tanto profissional quanto intelecutalmente) no executar das suas tarefas ok? Brinquedos você compra fora do trabalho com seu salário caso seja bem pago. Nâo se valoriza funcionários com diversões tolas, mas sim com desafios intelectuais reais que ofereçam uma possibilidade de crescimento paupável.

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